segunda-feira, 23 de março de 2020

O Improviso e o Jazz

Nessa estreia quero logo encarar os fatos: o preconceito é danoso. Todo mundo concorda com isso, mas em música (como em qualquer manifestação artística), as pessoas não se importam em serem preconceituosas. Podemos ter preferências, mas temos que estar prontos para o futuro. Como você está conectado no amanhã e é assinante hoje de um jornal do amanhã, teremos boas conversas por aqui.

Existe uma tendência natural da nossa sociedade para os rótulos. Temos carros de passeio, de esporte, utilitários; trajes de verão, de inverno e de meia-estação; cozinha brasileira, internacional e italiana. E assim por diante. Alguns desses rótulos são mais "explicações" do que propriamente uma "rotulação", mas todos buscam enquadrar um determinado assunto. Mas e a música? Será que ela pode ser enquadrada? De certa forma pode. Clássico, rock e jass são definições claras. Até surgir o Rock Progressivo, o Jass Rock, Samba Reagge, que embaralham qualquer definição. Muitos artistas se colocam num limite muito estreito, a um milímetro de tudo... ou nada.

Quando Miles Davis lançou Bitches Brew, o mundo literalmente não entendeu nada. Muitos críticos, senão todos, arrasaram o disco. Quando ele gravou Man With The Horn após um longo período afastado, foi um novo susto. No seu último disco Doo Bop (lançado postumamente em 1992), ele fundia rap e jass. Miles deixou de ser um jazzman? Picasso deixou de ser um pintor quando aderiu ao cubismo?

Picasso não deixou de ser pintor, da mesma forma que Miles não largou o jass. Os dois são indiscutíveis gênios, e como tal romperam com suas respectivas tradições, mas nunca com sua essência. Por mais que os puristas (ou os ortodoxos) odeiem, o jass não é uma arte folclórica, que possa ser estudada com início-meio-fim. Ele está vivo e sua evolução é a maior prova disso.

Na abertura do programa Free Jazz anos atrás, Nelson Motta disse que o charme do jass era a improvisação. Mas não é bem assim, improvisação é a alma do jass. Existem muitos métodos que ensinam como improvisar, mas o bom improviso depende unicamente do artista e nunca de regras. Pode ser uma única nota ou uma cascata de notas, mas só o verdadeiro jazzman sabe como, quando e onde coloca-las. E esta é a grande diferença. Tanto no rock quanto no clássico, existem grandes solistas, mas pouquíssimos improvisadores.

A Fantasia clássica era inicialmente (no século XVI) uma composição instrumental que adotava a estrutura do ricercare (do italiano “procurar, inventar”), mas que foi abandonada posteriormente (século XVIII), transformando-se em “uma espécie de sonata de construção menos rígida”.
No rock ouvimos muitos solos, mas pouquíssimos são improvisados. Basta compararmos com as gravações ao vivo. Poucos músicos se arriscam a alterar seus solos, e esta é a palavra chave: ARRISCAR.

Improvisar é “não saber qual a nota seguinte”. Durante o improviso o músico entra em uma espécie de “estado de graça”. Só ele e sua música. Nem mais seu instrumento está lá, visto que este é apenas isso: um instrumento para o momento maior. Certos músicos improvisam como se passeassem no parque (Bill Evans - piano, Philippe Catherine - guitarra, Paul Desmond - sax alto); outros parecem duelar com o diabo (Jeremy Steig - flauta, Clifford Brown - trumpete, Michael Camillo - piano) e ainda os que “conversam” com seus instrumentos (Oscar Peterson - piano, Jim Hall - guitarra). Mas todos tem em comum o fato de criarem algo inteiramente novo cada vez que tocam uma música.
O que eu quero chamar atenção, é que o jass não é uma arte estática (nenhuma arte pode ser, mas a música é a que mais sofre com os rótulos) ele assume suas influências e mistura-se sem a menor cerimônia. Duke Ellington, Miles Davis, Dizzy Gillespie, Ornette Coleman e outros nos mostraram o caminho. Traditional, New Orleans, Be-Bop, Cool, Free-Jazz, Jazz-sinfônico, Latin-jazz, Jazz-rock, World-Jazz, Acid-Jazz, não importa o nome. Existe jass para todos e para todos os gostos.

Daqui prá frente, vou escrever sobre discos e shows (na verdade tudo o mais ligado à música) desde os que ferem os ouvidos dos puristas, até os que fazem a alegria dos mais ortodoxos. Enquanto isso vou ouvindo um pouco de Meade-Lux-Lewis, Milton Nascimento, Tribal Tech, Jelly Roll Norton, João Bosco, The Chick Corea Elektric Band, Miles Davis & Marcus Miller, Miles Davis & Gill Evans, Charlie Christian, Kazumi Watanabe, Joe Zawinul & Benny Carter, Weather Report, Charles Mingus, Jaco Pastorius...

(texto originalmente publicado na revista digital Teclas & Afins)

quarta-feira, 27 de março de 2013

Quaterna Réquiem - O Arquiteto

Esse blog esteve abandonado por pura falta de novidades. Ando às voltas com meu próximo trabalho e apesar das sugestões, ainda não tenho nada de novo, entretanto... o pessoal do Quaterna finalmente veio com uma novidade. Uma velha novidade ou uma novidade esperada há muito tempo.
Fui assistir o lançamento do CD O Arquiteto com dupla ansiedade. Primeiro porque era um trabalho prometido há muito tempo pelo grupo e depois porque eu também sou arquiteto. Ok, não era uma homenagem à minha pessoa, mas aos meus colegas.
Prometi que eu ia escrever sobre o assunto e ando pesquisando algumas coisas que ouvi e ainda não tenho nada muito conclusivo, além de que é o melhor lançamento do progressivo brasileiro.
Independente do que vou escrever no próximo post, procurem ouvir o que eles fizeram. Tenho certeza de que você vai gostar. Já antecipo aos ansiosos, que gostei (claro, senão não estaria aqui). Gostei? Foi um pouco além. Fiquei com inveja de não ter composto o que estava ali e de não estar em uma banda tão entrosada como essa.
Me aguardem!

sexta-feira, 25 de março de 2011

O Terço - CD

A sigla CD aqui do título não é para compacto duplo. O compacto duplo está descrito no post abaixo desse aqui. Eu quero falar do mesmo disco, agora na versão em CD que saiu no final do ano passado.

A edição é primorosa. A capa reproduz a capa original, algo que é negligenciado pelo produtores, mas que aqui inclui até uma cópia do rótulo do disco. Excelente para os colecionadores, mas há mais. Além das 5 músicas do compacto, esta versão inclui ainda: Edifício Avenida Central (J.Amiden/J.das Neves/e.Piauí), Tributo ao Sorriso (J.Amiden/S.Hinds) e Vou Trabalhar (J.Amiden/C.de Mercês).

A melhor delas - quem sou eu pra falar - é a segunda, originalmente em um outro compacto mas que chamou minha atenção no século passado porque foi o que eles tocaram no V Festival Internacional da Canção. Muito bom ouvir isso outra vez.

O CD está ótimo e muito bem preparado. Em termos do áudio, não foi feita uma masterização exagerada e apesar do som estar um pouco tímido, não cansa. Pode-se ouvir tudo. Desde o violoncelo elétrico do Hinds, às sutilezas do baixo do Cesar e toda a orquestra.

Bom saber que ainda existem produtores decentes por aí. Meus parabens ao Marcelo Fróes e toda a equipe.

domingo, 29 de agosto de 2010

O Terço - Compacto Duplo

Por muitos anos esse compacto duplo esteve guardado entre as minhas coisas. Um monte de disquinhos da Guitar Player e da Keyboard. Sei lá porque fui pegar nisso. Talvez saudosismo ao ter descoberto os LPs do Burnier & Cartier, mas isso é mais antigo.

Eu olhava essa capa, o violoncelo elétrico, a guitarra de 3 braços (chamada por eles de triarra) e imaginava estar tocando com eles, ou ter um grupo como o deles, ou tocar Bach, ou tocar qualquer coisa. Eu já tocava violão, mas nada demais, só os sucessos da rádio, e olha que a rádio não era das melhores na época da Jovem Guarda. Foram esses discos que me fizeram pensar o que eu queria fazer com minha música, com a música que escutava dentro de mim.
Não vou falar nada sobre esse disco porque não há nada mesmo a ser dito. A capa diz tudo e a contracapa tem a relação das músicas. Esse é um daqueles discos que merecia sair em CD, porque ele contém não só o histórico de um grande grupo mas também porque as músicas são muito boas. Jorge Amiden estava muito inspirado e Sergio Hinds, talvez por estar à cargo do violoncelo elétrico, estava bastante comedido.

Vale a audição

sábado, 28 de agosto de 2010

Brazillian Connection (Burnier & Cartier)



É quase um resgaste. Encontrar esses discos do Burnier & Cartier, descobrir novos. Bem, não exatamente novos, mas descobrir esse album australiano do qual nunca tinha ouvido falar é muito interessante. É o Don Burrows e seu quinteto acompanhado pela dupla e mais um quarteto de cordas. Don Burrows é um músico auatraliano que flertou muito com a bossa nova e chegou a tocar com Luiz Bonfá, tio de Burnier. Não compreendo muito bem a motivação que o teria levado a chamar a dupla para shows na Austrália. Tocaram duas músicas dele, outras músicas do Bonfá e o repertório do segundo disco da dupla em sua maioria.

Lado A:
PROSSIGA
PAPAGAIO
DON JOÃO
SITIO AZUL
MANHA DE CARNAVAL
INSENSATEZ
AVENTURA ESPACIAL
LEMBRANDO ED KLEGER

Lado B:
FGC
PEDRA PINTADA
CLOUD
BARRANCO
LENDA DAS AMAZONAS
RECREIO
MACANTE
CHICOS BAR
ARTIMANHAS.

Um pouco mais sobre o duo Burnier & Cartier: formado pelos guitarristas, cantores e compositores Burnier (Luiz Octavio Burnier Bonfá) e Cartier (Claudio Cartier), os quais se encontraram em 1968 no Movimento Artístico Universitário (MAU), começaram a compor em parceria dois anos depois.

Em 1974, gravaram seu primeiro LP "Burnier & Cartier," lançado pela RCA.

Junto com Sônia Bonfá, criaram o trio vocal Papo de Anjo exclusivamente para as gravações da trilha da série "Sítio do Pica Pau Amarelo". (TV Globo).

Participaram do Festival Abertura (TV Globo) em 1975 com a música "Ficaram Nus" ficando em terceiro lugar e aparecendo no LP com todas as finalistas.

No ano seguinte foram contratados pela Oden por sugestão de Milton Nascimento ao diretor artístico Mariosinho Rocha, quando gravaram seu segundo LP.

Em 1977, os sdois músicos foram convidados por Don Burrows para fazerem alguns concertos na Australia, gravado ao vivo, gerou um álbum duplo "Brazilian connection", lançado pela Pie Records, com a participação de Don Burrows Quintet, do The Sidney Strings Quartet e George Golla. O disco foi lançado nos Estados Unidos com o título de "Brazilian parrots" (argh!).

Performers
Don Burrows (flutes, clarinet, and percussion) e The Brazilian Connection (Don Burrows Quintet; George Golla -guitar; Octavio Burnier, Claudio Cartier - vocals and guitars; Sydney String Quartet; atuando em várias combinações diferentes.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Burnier & Cartier


Pausa... Levei um bruta susto. Passou um mês inteiro desde a última postagem e não coloquei absolutamente nada aqui. Mas vou ter que dar um tempo nessa conversa pra falar de dois caras que foram bem importantes musicalmente pra mim. Vou aproveitar o que meu amigo Justin escreveu no blog dele e colocar aqui. Espero que gostem.

"Eu amo essa foto de volta. Esses artistas são realmente olhando para a notação musical em uma página. Como é refrescante!


Eu fiz novo upload deste album. Eu não posso deixar para trás este álbum surpreendente. Esta dupla fez apenas dois LP's juntos (tem outro ao vivo Justin), sendo este o primeiro. Mais uma vez os engenheiros da RCA estavam no auge da forma com a sua qualidade de gravação, mas eles realmente têm algo com o que trabalhar aqui. Vou mencionar que Octavio Burnier é sobrinho de Luiz Bonfá, como pode ser notado pelas composições com o tio e a dedicatória na contra capa. Esse LP é uma obra prima da pop Fusion. Este duo tem essa interação mágica. Ouça com atenção para o trabalho/jogo de contraponto. Extraído dos melhores momentos por volta do início dos anos 70. Um pouco "Chicago", um pouco "Nilson", um pouco "Seals & Croft", um pouco "Sim" e um pouco de "Crosby, Stills & Nash", para citar algumas das coisas que eu ouço. Deus abençoe os japoneses para a remasterização e reedição desta jóia. Para um prazer extra, rompa os fones de ouvido e relaxe e desfrute este passeio. Uma grande gravação! Cheia de brilho e rara fidelidade. A saturação de fita aqui é uma benção de Deus. Uma gravação incrível!"

Tá bom Justin, você foi meio exagerado... mas não muito. O disco é muito bom, mas bem distante do que costumamos ouvir por aqui. Por isso tantos elogios. Eu fui conhecer esse disco graças ao Justin, porque apesar de saber dele, só conhecia a capa e não tinha a menor idéia de como soava.

É Música Brasileira que apesar de Popular, não é aquela que vai tocar nas rádios tão cheias de Madonas e Lady Gaga's... RÁDIOS???? Onde eu estou, no século passado? Caramba, acho que ninguém aqui vai baixar esse album do iTunes, o que é uma pena, porque o álbum é ótimo.

Entretanto, eu tenho preferencia pelo segundo album dos caras, lançado em 1976. Tem mais violão, ou violões e é praticamente camerístico. Como assim? Bem, tem menos instrumentos, os violões aparecem mais, o tratamento (da produção) é mais cuidadoso e não tem exageros.
Entrei a vida adulta com essas músicas. Tinha 18 anos e "Minha Mãe Não Sabe de Mim" era quase que um hino. Queria tocar como o Burnier, ter a mesma destreza dele como instrumentista, o mesmo bom gosto nos arranjos e o mesmo som de guitarra.

Tentei buscar pelos buscadores da vida, onde andam esses caras, mas não consegui muita coisa além dos óbvios. Participaram do Song Book do João Bosco com o chato do Ed Mota (sorry Ed, fui sincero como você sabe que eu sou!) e quem quiser conferir pode ouvir aqui. O primeiro disco deles pode ser comprado novo lá na Amazon por módicos US$70 ou USADO por US$129.45. Estão brincando? Enquanto isso, tente comprar o mesmo CD nas Lojas Americanas. Sabe o que você encontra lá? É melhor esquecer isso.

ps: não sou de fazer isso, mas dá uma olhada nos comentários. Alguém colocou um link interessante lá.

domingo, 27 de junho de 2010

A Fornada Premiada da Padaria Marconi (1)

A FORNADA PREMIADA DA PADARIA MARCONI
Parte 1 - A Pré História

Deixando as correrias do lançamento do novo álbum, resolvi ressuscitar uma série de colunas dedicadas às minhas bandas favoritas e (por razões inexplicadas) jamais comentadas aqui. Mas nunca é tarde. Portanto aqui vamos nós com o som italiano do PREMIATA FORNERIA MARCONI.

PFM (para os íntimos) em uma tradução liberal seria o título lá de cima. Nos idos de 70, quando tínhamos pouca informação sobre nossos artistas favoritos, havia um boato de que a origem do nome era porque um padeiro fazia o pão enquanto tocava flauta. Era difícil imaginar isso, mas... éramos jovens... e ingênuos. Mas a padaria existe (ainda hoje) apesar de ter mudado de FORNERIA MARCONI para PASTICCERIA MARCONI e fica em CHIARI (na província de BESCIA – precisamente na Via Mazzini, 1, Tel. +39.30.711112), que vem a ser a cidade natal de um dos integrantes: MAURO PAGANI (flauta, violino e letras). Daí a origem do boato.
Comecei a ouvir PFM graças a meu primo Geraldo, que foi de férias aos EUA e voltou com “trocentos” LPs, prá desespero do pai, que pagou uma boa grana em excesso de bagagem. Mas valeu a pena, por que ficamos conhecendo o PFM. Não me lembro de porque ele comprou o PHOTOS OF GHOSTS (primeiro LP americano), mas sei que passado algum tempo ele me vendeu o disco prá comprar outro, mais do agrado dele. Não que ele não tenha gostado, mas o estilo dele era (e acho que ainda é) mais para VAN MORRISON, BAD FINGER, THE BAND, etc do que progressivo.

Em todo o caso, fiquei com o LP e daí prá frente (apesar da falta de grana) corria atrás de tudo o que eles lançavam. O som “quase” delicado do rock progressivo italiano, sempre me agradou. Também pudera, eles são especialistas em uma vertente do rock progressivo mais “camerística” ou barroca. A fusão da música clássica no rock italiano não tem a grandiloqüência do progressivo inglês, formando uma categoria à parte. Não tenho notícia de um grupo de heavy metal italiano, mas... tudo é possível.O PFM começou no final da década de 60, com uma banda que fazia COVERS de sucessos americanos (chamada I QUELLI) que fez, por exemplo, uma versão de "RAIN AND TEARS", do APHRODITE’S CHILD (banda grega do VANGELIS). O único LP deles, foi lançado no Brasil (em 1970) e em CD na Itália há poucos anos. A VINYL MAGIC (www.itimpresa.mi.it/vinylmgc/) possui alguns compactos (lembram disso?) usados para venda. São raros e caros.Para o áudio, escolhi uma música que teve também uma versão em Português. O título original é LA POPÈE QUI FAIT NON que na versão do QUELLI virou UNA BAMBOLINA CHE FA NO NO NO. Não lembro quem gravou isso por aqui, mas é coisa do tempo da Jovem Guarda (Oops!!). O copyright indica o ano de 1966, o que me leva aos meus oito anos de idade, mas isso deve ter sido regravado aqui em 1967 ou 1968. O que me fez pensar: não era só aqui que se faziam músicas bobinhas...
QUELLI era um quarteto integrado por FRANCO MUSSIDA (guitarra e vocal), FRANZ DI CIOCCIO (bateria), FLAVIO PREMOLI (teclados) e GIORGIO PIAZZA (baixo). Na capa, aparece um quinto integrante, mas não tenho indicação de quem seja. Na Itália (e no mundo) nessa época, o sucesso estava atrelado a versões e “a um vocalista rebolativo que chamasse a atenção das fãs” (palavras do DI CICCIO), mas o I QUELLI era uma exceção. Estavam preocupados com o conteúdo musical do que tocavam (e não tinham um vocalista rebolativo). Como resultado disso, freqüentavam muitos estúdios de gravação acompanhando cantores como LUCIO BATTISTI, MINA, CELENTANO e FABRIZIO DE ANDRE. Além disso, eram chamados também para fazerem as gravações das bases de outras bandas italianas, como EQUIPE 84, DIK DIK e CAMALEONTI.

Durante uma noite em um clube perto de BESCIA, um amigo de FRANZ falou de um músico que estava tocando flauta e violino mais para o rock do que o clássico. FRANZ interessou-se, mas não conseguia encontrar-se com MAURO PAGANI e conta que o contato telefônico entre eles foi assim: “Eu tenho cabelos longos, uma camisa branca e jeans velhos”, FRANZ perguntou: “Cabelo longo até os ombros, como Jesus Cristo?”. Apesar dessa ridícula conversa, na época usar cabelo longo era sinal de fazer parte da nova musica UNDERGROUND. Era o verão de 1969. Quando FRANZ o viu tocando no “I DALTON”, ficou claro que o queria tocando com eles. Continuavam fazendo as apresentações habituais, mas queriam mudar o repertório, o próprio gênero musical ao qual estavam presos e integrar MAURO na formação.

O som do grupo começou a mudar lentamente. As músicas foram se tornando cada vez menos dançantes a medida que os solos foram ficando maiores. Buscaram material nas “novas” bandas: CHICAGO, KING CRIMSON, JETHRO TULL, EXCEPSION e FLOCK, com mais espaço para arranjos, virtuosismo e improvisação.

Queriam uma completa separação do passado, do qual eram bem conhecidos, mas em um estilo completamente diferente. O nome tinha que ser bem diferente do que estava sendo usado na época, como nome de animais. Depois de uma manhã inteira imaginando hipóteses, saíram com dois nomes: ISOTTA FRASCHINI e FORNERIA MARCONI. A primeira uma marca de automóveis e a segunda A padaria. Mas a gravadora foi contra, dizendo que parecia mais o nome de uma fábrica do que de um grupo musical. Mas a idéia de uma fábrica com prestígio, parecia bons auspícios para alguém como eles que estavam acostumados a “fabricar” som para outros artistas. Quando optaram por FORNERIA MARCONI achavam que faltava algo. Um amigo e músico ALESSANDRO COLOMBINI, fez a sugestão de acrescentarem o PREMIATA, como forma de auto-gratificação e também de “certificar” a “qualidade” da “fábrica” (tudo com aspas mesmo). O nome ficou grande, mas a filosofia da banda era: “quanto mais difícil for lembrar o nome da banda, mais difícil será esquece-lo!”. (Virou moda nomes grandes de banda na Itália depois disso – Se alguém mencionar o LE ORME só prá me gozar, eu respondo com IL TRONO DEL MIRACULO, IL CAMPO DI MARTE e outros tantos que guardo “na manga”).

Aqui a discografia do I QUELLI
Via Con Il Vento/ Ora Piangi - Compacto Dischi Ricordi (DR) SRL 10-409 .
Una Bambolina Che Fa No No No / Non Ci Saro' (I can let go) – Compacto DR SRL 10-443
Per Vivere Insieme (Happy tougeter) / La Ragazza Ta Ta Ta – Compacto DR SRL 10-459
Tornare Banbino (Hole in my shoe) / Questa Citta Senza Te - Compacto DR SRL 10-479
Mi Sentivo Strano / Dettato al Capello – Compacto DR SRL 10-502
Lacrime E Pioggia(Rain and tears) / Nuvole Gialle – CompactoDR SRL 10-525
Dietro al Sole / Quattro Pazzi – Compacto DR SRL 10-590
Quelli - LP DR SMRP 9053 (Itália, jul. 69)
LP ??? (Brasil, l970)
LP DR ORL 8185 (Itália, feb 78)
CD DR OR 8185 (Itália, 9?)

Na próxima semana continuamos.
Valeu
T+

Bibliografia
FRANZ DI CICCIO – Encarte da caixa “10 Anni Alive”
Arthur Mantovani – Rock Progressivo

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Philippe Saisse (Valerian)

Eu prometi que iria escrever sobre esse disco, mas as coisas vão se enrolando e eu acabo deixando o blog meio de lado, mas vou tentar me corrigir, mesmo que não aprofunde muito no disco em si, o que importa é chamar a atenção para este tecladista frances há muitos anos vivendo nos EUA. Senhoras e senhores, com vocês Philippe Saisse. Como muita coisa pode ser lida no próprio site dele, vou direto ao ponto.

Em 1974 meu amigo Kallas me apresentou uma banda de jazz-rock (ou fusion, como queiram) chamada Return To Forever. Era a terceira encarnação da banda do tecladista Chick Corea sempre acompanhado do baixista Stanley Clarke, agora acompanhados pela bateria de Lenny White e a guitarra de Al Di Meola. Foi amor à primeira vista e tratei de ouvir tudo deles pra frente e pra trás, em grupo e em solo. Foi aí que descobri que o tecladista dos shows de Di Meola era essa tal de Saisse. Só fui ouvi-lo de verdade em Slendido Hotel, quando Di Meola gravou algumas faixas só com a banda de shows. Achei bacana, mas o que me marcou foi quando encontrei na finada loja Gramophone no centro do Rio, esse album aí de cima.

Era época dos LPs e como os atuais CDs, vinham lacrados. A diferença (ENORME) é que não se tinha a menor idéia do que se iria encontrar dentro do disco. Não havia Internet e a divulgação era no boca-a-boca, quando as bocas sabiam do que se tratava, o que não era o caso desse artista, um ilustre desconhecido para a maioria.

Comprei o LP e quando cheguei em casa, fiquei pasmo. Era bom gosto puro. Apesar de ser um disco do selo Windham Hill, não era (felizmente) um disco de new-age. Era apenas música, e das boas. Um piano sutil, discreto (e como disse) elegante, sintetizadores e um ou outro convidado, mas com um detalhe que me chamou a atenção: era gravado ao vivo. Eu ouvia e tentava entender. Como ao vivo? Tinha synth e piano ao mesmo tempo e Saisse era apenas um ser humano. Só que um ser humano acompanhado por um computador (ou vice versa).

Nesse momento eu tive o grande estalo, ou insight, como prefeririam os mais sofisticados. Era isso o que eu queria fazer, gravar um disco ao vivo com sequenciadores, um programa que permitia, de forma primitiva compadrando com hoje, gravar previamente certas partes e depois tocar junto enquanto gravava a matriz. Segui a idéia de Saisse e gravei Angel's Dream seguindo a idéia dele. Deu um trabalho medonho, porque não coloquei nenhuma edição nas partes de guitarra, que foram gravadas de uma vez só, sem picotes, recortes ou pausas. O resultado ficou aquém de Valerian, que é um disco que mantém-se atual 20 anos depois, mas era meu disco e feito do jeito que eu queria.

Mês passado encontrei com Saisse por aqui e contei sobre como a música dele havia me influenciado. Gentilmente ele aceitou ouvir o "filho" de Valerian. Como você que lê esse blog já ouviu com certeza Angel's Dream, eu o convido a ouvir Valerian. Só há um pequeno problema, na Amazon (EUA) o disco está pela bagatela de US$55 (sabe-se lá porque). Recomendo então uma busca na Amazon UK, onde ele pode ser encontrado por E10 (onde está o ímbolo do Euro?). Talvez algum site como CD Universe ou lojas de discos usados tenham uma cópia dele. Meu conselho é: agarre-a.

Só pra fechar: Saisse tocou com tanta gente (de Bowie a B52) que a lista ficaria grande e desinteressante, mas vale dar uma olhada no site dele (naquele link ali de cima) pra ver a importancia dele na música.

Bem, quebrado o jejum de escrita, espero retornar logo.
Forte Abraço

terça-feira, 17 de março de 2009

Keith Emerson Band

(destacando Marc Bonilla)

Eu tentei escapar de colocar outro disco do Keith Emerson na seqüência, mas apesar das minhas promessas, não consegui tempo pra colocar outras coisas interessantes que ando ouvindo, mas o maior motivo é que o KEITH EMERSON lançou um disco novo. Finalmente, depois de alguns anos tocando ao vivo com a KE Band – nome pouco original – ele lança um disco de estúdio. Mas o negócio é que o disco é bom demais. Esse disco é a prova irrefutável de que o grupo Emerson, Lake & Palmer é muito e somente Emerson. Legal, Lake tinha um vozeirão e o Palmer toca como poucos, mas o som, aquela coisa toda é dele. É, porque ainda está nesse senhor de sessenta e poucos anos de idade o vigor do velho e bom rock’n roll.

Os primeiros segundos da primeira faixa mostram que o Mr Emerson não está pra brincadeira. Abre com o velho e bom piano à Ginastera pra pegar o Hammond logo em seguida. Está tudo ali. Todos os maneirismos a que estamos acostumados e (falo por mim) estava saudoso. Várias citações a antigas músicas dão um toque de familiaridade à faixa. Cabe uma ressalva: as primeiras faixas são bem curtas e assemelham-se a uma suíte. Quando a voz de Bonilla aparece na quarta faixa, é como um momento pra respirarmos. Mas isso passa logo e o andamento acelerado da faixa seguinte nos lembra quem é o dono da banda.

Na capa interna, Emerson toca um piano em chamas bem ao estilo de Jerry Lee Lewis. O disco é cheio de excessos. Todos os excessos que sempre gostamos no KE. Muitos órgãos Hammonds, pianos, sintetizadores e... Marc Bonilla cantando e tocando guitarra. Ele é velho conhecido do KE, já tendo tocado no álbum Changing States de 1995 e está com a banda desde 2006 touring band, mas ele já tocou com Glenn Hughes no disco The Way It Is de 1999, onde também tocou teclados; com David Coverdale; com Kevin Gilbert e participou do álbum tributo ao Emerson, Lake & Palmer Encores, Legends & Paradox (do selo Magna Carta Records, 1999).

A voz de Bonilla está mais para John Wetton do que Greg Lake, o que não é nada mal. Não tem aqueles exageros do Lake (nos bons tempos) e dá conta muito bem do recado.

O disco é um prato cheio pra qualquer fã do Keith Emerson. Parece os bons tempos do EL&P e não tem uma única faixa daquelas que dá vontade de pular. O álbum soa íntegro. Mesmo as músicas compostas só pelo Bonilla estão bem enquadradas no som do Keith. Pra ser chato, a última Parting quase soa como dispensável, mas é salva pelas guitarras do próprio e pelo piano do Mr Keith Emerson.

O Keith Emerson Band é um quarteto formado pelos já citados acrescidos de Gregg Bissonette (que tocou com David Lee Roth, Joe Satriani, Santana e outros) e Bob Birch (músico de estúdio que tocou com Elton John), respectivamente bateria e baixo, mas que são substituídos em duas faixas por Travis Davis (baixista de Alice Cooper e de estúdio) e Joe Travers (baterista responsável por preservar as fitas e o trabalho de Frank Zappa). Ainda temos as participações especiais de Keith Wechtsler tocando “Jew’s harp” e Nathanial Bonilla (recorder) na última faixa.

A KEB ao vivo conta com os seguintes músicos: Keith Emerson, Marc Bonilla, Travis Davis e Tony Pia (bateria), não que isso faça muita diferença, porque o disco é excelente como está.

Ps1: quem visitar o site oficial do Keith Emerson, vai encontrar um disco chamado Boy’s Club com Keith Emerson, Glenn Hughes (vocais), Marc Bonilla (guitarra), Mike Wallace (guitarra), Bob Birch e Mick Mahan (baixos), Ed Roth (teclados) e Joe Travers (bateria). Com certeza algo que aguça a curiosidade.

Ps2: Bitches Crystal no YouTube: http://www.youtube.com/watch?v=j3uXQPeB9x8

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Keith Emerson – The Christmas Album

Alguns anos atrás eu comecei a reunir álbuns de natal. Não sei bem como isso começou, mas achei interessante como certos músicos (re)interpretavam músicas mais do que conhecidas. Foi mais ou menos assim que cheguei nesse disco do Keith. Mais ou menos porque desde que o trio Emerson, Lake & Palmer deixou de produzir trabalhos inéditos, procurava por coisas dele. Isso foi em um tempo sem a internet, quando achar um álbum de qualquer um que não estivesse na parada de sucessos era um sofrimento. Mas isso é passado.

A versão que comento aqui, tem 9 faixas e tem todo jeito de um bootleg. Foi lançado pela britânica AMP Records, mas isso não era estranho, porque sem uma grande gravadora por trás, os outros álbuns dele também foram lançado por pequenos selos.

Como se pode esperar da maioria dos discos solo de tecladistas de rock, este conta com poucos convidados. Frank Scully é o baterista em “Silent Nights”, Lês Moir o baixista em “We three Kings” e alguns outros apenas na programação dos sintetizadores, todos tocados pelo próprio Keith, claro.

O disco abre com variações para o tema tradicional “O Little Town of Bethlehem”. Boa e majestosa abertura. Todos os timbres característicos de Keith estão aqui, principalmente o virtuosístico solo de piano que alterna-se com os elemntos mais formais da canção e segue para um improviso mais jazzístico em (pseudo) trio com baixo e bateria, que destaca o andamento dessa valsa jazzística. “We Three Kings” é a segunda faixa, novamente com os timbres mais característicos de Keith. Nesse tema, dele e de Hopkins, destaca-se o baixo de Lês Moir, que com certeza foi escrito pelo tecladista, pois se parece muito com algo que ele tocaria. Um piano trio encerra em fade out a faixa, dando espaço para “Snowman’s Land”, do próprio Keith, com título sugerido pelo seu filho Damon. Peça pianística que por estar em um disco natalino, lembra o Natal, mas que poderia ser incluída em qualquer outro álbum. Como sempre, o toque orquestral dos diversos sintetizadores traz a marca do ELP. O Oratório de Natal de Bach, surge com sua “Ária” na quarta faixa e é bonito, como tudo que Bach fez, mesmo com a bateria eletrônica, que perdeu seu impacto com o passar dos anos. “Captain Starship Chistmas” já começa como uma boa promessa. Uma criança conta a história, um dos cantores do West Park School Choir. Nessa aqui a mixagem ficou muito estranha. Os sintetizadores solo ficaram muito baixos, para não embolarem com o coral, mas um pouco mais de trabalho na mesa de mixagem não era mal. Não sei se a outra versão desse álbum, com 12 faixas corrigiu esse e alguns outros problemas. A participação do coral é deliciosa e nem um pouco pieguas. Pecado do qual esse disco escapa por pouco. “I Saw Three Ships” tem ótimos timbres e uma introdução bem apropriada. O tema desenvolve-se de maneira regular sem muitas surpresas, mas aí está sua maior qualidade. Único pecado aqui é terminar mais uma vez em fade out, com o volume diminuindo aos poucos. “Petites Litanies de Jesus” de Gabriel Goroulez e arranjada por Keith é a sétima música. Bem suave, com um timbre não muito inovador, mas assim como Rick Wakeman, Keith não tem como característica timbres novos. Ele soa como Keith Emerson com naturalidade e a escolha das harmonias e vozes é o que nos faz sentir estarmos ouvindo um velho amigo contando suas histórias. “It Came Upon a Midnight Clear”, tema arranjado por Keith abre como uma pequena orquestra, com pizicatos, sinos e cordas para evoluir logo em seguida como um pequeno quarteto de cordas. Do meio para o fim, ao expor novamente o tema, as vozes se dividem pelo baixo e cordas. A última faixa é a conhecidíssima “Silent Night”, tocada ao piano no estilo “Keith Emerson toca Oscar Peterson” com a bateria do citado Scully e o coral The London Community Gospel. Uma tremenda covardia, porque as vozes e o tema são puro Natal. Em tempos de MP3 e downloads, essa seria a faixa pra baixar. Mas em tempos de MP3 e downloads, ela provavelmente seria creditada a outro e não ao Keith, pois ele está o mais “jazzy” possível, improvisando e brincando muito bem sobre o tema, em uma levada lenta, que propicia que o coral “chore”. O destaque aqui é pra evolução da voz solista (infelizmente não creditada) que aos poucos vai assumindo seu lugar à frente do coro, sem deixar o clima lento. Muito boa.

Como a maioria dos discos de Natal que ando ouvindo, principalmente nessa época do ano, esse não tem muita unidade. Os temas são irregulares e as interpretações mais ou menos inspiradas, mas como todos esses discos, o que vale é ouvir seu artista favorito em um ambiente completamente diferente do que estamos acostumados.

Só posso dizer uma coisa: Feliz Natal.
Nos vemos no próximo ano, por aqui mesmo ou por alguma publicação de papel pelas bancas.

Tudo de bom pra todos.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Mary Fahl – From the dark side of the moon


A capa aí de cima é conhecida de todo mundo. Não tenho medo nessa afirmação porque é um dos discos mais manjados já lançado. A “novidade” (entre aspas mesmo porque já rola por algum tempo aqui na rede) é uma cantora ter a ousadia de fazer um cover deste clássico. Acabando com o suspense, vou hoje comentar sobre um disco não lançado.

Cover é uma palavra que me causa alguns arrepios. Não gosto quando fazem recriações perfeitas, cópias exatas. Gosto das inexatas e mais, não vejo sentido em um artista não interpretar à sua maneira uma obra. Claro que o público em geral gosta e se o público gosta, sempre há um artista disposto a dar o que o público quer. Felizmente não foi o caso da Mary.


Em uma pesquisa que você mesmo pode fazer você vai encontrar o seguinte: “Depois de dois discos solo (um EP e um CD completo) abaixo de sua capacidade, a vocalista Mary Fahl, na minha opinião, a alma do OP, estava mais perdida que pum em bombacha. A única coisa que tinha como certa é que queria um repertório mais forte, que trouxesse paixão e grandiosidade. Seu empresário, Steven Saporta, entrou em contato com o produtor David Warner com a idéia de fazer um disco de covers, mas Warner teve uma idéia mais ousada: reinterpretar um único disco clássico, do começo ao fim. O projeto, desafiador por si só, ganhou um peso ainda maior quando Warner e Fahl escolheram o disco a ser recriado, nada menos que The Dark Side Of The Moon, a obra máxima do Pink Floyd, que passou nada menos que 14 anos consecutivos na lista de 200 discos mais vendidos da Billboard e é o quinto disco mais vendido de todos os tempos. A princípio, Mary assustou-se com a ambição do produtor: “Ele (o disco) é como o Cálice Sagrado, uma obra de arte danada de boa, muito mais que o produto de uma época” - declarou.”

Dito isso, você está situado na história do disco, então vamos nos aprofundar mais um pouco. O trabalho é totalmente inesperado, principalmente por ser fruto de 3 pessoas: a cantora Mary Fahl, o produtor David Warner e o guitarrista e tecladista Mark Doyle. Contam por aí que os três compartilhavam certa desilusão com os caminhos da música pop e profunda admiração pelo disco do Floyd. Eles entraram no estúdio de Doyle para gravar "Us And Them" e o resultado inicial foi tão bom que resolveram iniciar o projeto.

O que tem de interessante nessa recriação é que fica longe dos covers “Xerox” habituais. Acho que é difícil imaginar como o disco de uma cantora, acompanhada por um só músico pode mostrar o talento dela, não desrespeitar as músicas que todos conhecem e ficar bom, principalmente um disco que é metade instrumental. Doyle teve uma saída genial. Ele transformou a voz de Mary em mais um instrumento. Lembram do solo de voz (que sempre menciono como o orgasmo mais longo já gravado em disco) em "The Great Gig In The Sky" com a impressionante Clare Torry? Pois é, não dava pra copiar aquilo nota por nota. Ao invés disso optaram por algo que se assemelha a um lamento xamânico. Realmente é difícil de imaginar, mas aí reside toda a sabedoria e beleza desse disco. Como Werner explica: “Nenhum de nós estava interessado em simplesmente fazer boas versões de grandes músicas. Existem bandas tributo do Pink Floyd pra isso, mas se nós conseguíssemos reinventar a intenção por nós mesmos, então teríamos a chance de redescobrir alguma coisa que pudesse ter nova vida por si só”.

Speak to me” começa com a percussão fazendo as batidas do coração e a voz de Mary em várias camadas reproduzindo o original e preparando a entrada de “Breathe”. Entra então ótima guitarras de Doyle, e a característica frase original de Gilmour preparando um clima dark a entrada do vozeirão característico de Mary, que canta inicialmente sem acompanhamento. A música ganhou muito, ao ser despida da instrumentação original, com a bela melodia original ficando bem destacada. “On The Run” abre com um vocalize de Mary brincando no estéreo e uma figura repetida de guitarra, seguida de efeitos, como uma guitarra invertida e um baixão sintetizado bem diferente, além de piano e bateria. Cá entre nós, mais interessante do que a original. Aí aparecem os diversos “despertadores” que anunciam “Time”. Um clima etéreo aparece em oposição ao que havia sido ouvido até então. O baixo de Waters é de certa forma recriado. Quando entra Mary, sua voz tem é muito mais um lamento do que a voz original e angelical de Gilmour. Sem desrespeitar o original, a voz dá espaço a um lindo solo de guitarras (são pelo menos três), pra depois retornar à melodia cantada, com backings do próprio Doyle. Em seguida vem a já comentada “The Great Gig In The Sky”, cujo grande mérito é afastar-se da original no que ela tinha de mais marcante, o solo de voz. Grande expectativa pra essa faixa e não é nem um pouco decepcionante, pelo contrário. Estamos certos então de estarmos ouvindo uma recriação de um clássico. Exatamente por isso as percussões orientais não surpreendem quando iniciam “Money”. Mary confere um tom jocoso à sua voz e fica incrivelmente interessante com o que Doyle faz por trás: uma incrível cortina de guitarras e uma interessante harm&onica solo. “Us and Them” que como você já sabe foi a primeira gravada e por muitos anos a minha favorita, é lenta. Um violão dá dicas da melodia. Aqui novamente Mary canta praticamente à capela e outra vez a melodia ganha com isso. Essa música aqui perdeu aquele clima de baladinha que escondia o grande tema que ela realmente é. O solo de sax original foi substituído por um lindo vocalize de Mary, que canta um pouco além do seu registro mais confortável. “Any Colour You Like” se beneficia da capacidade de Doyle em criar climas a partir de poucas notas, que é o que ele faz ao piano elétrico aqui. Muitas vozes de Mary se sucedem em camadas até um refrão onde as vozes foram visivelmente trabalhadas em estúdio. Tudo isso quase que como uma introdução para a incrivelmente simples “Brain Damage”. Sempre toquei essa música mais de uma vez, mesmo nos tempos do LP, mas aqui dá pra ouvi-la muitas vezes. Está excepcional. Não teve grandes mudanças, mas a voz de Mary transmite uma dor que com certeza estava nos planos de Roger Waters, mas inexistente no álbum original por conta das limitações vocais do que compositor. “Eclipse” já abre chorando. Doyle se encarrega de “chorar” na guitarra. Mary começa a recitar a letra, com sua voz duplicada em camadas. Instrumentação aparentemente simples e clássica: guitarra, baixo, bateria e cordas. Nas cordas é que reside o sutil truque, ao traçar uma segunda melodia.

Quando acabei de ouvir esse disco, não sabia o que dizer. Havia um misto de muitas emoções. Se “Dark Side Of The Moon” é um cálice sagrado, como a própria Mary se referiu, o que ela e seus dois parceiros conseguiram fazer aqui traça uma linha divisória definitiva. Todos os outros tributos que já ouvi, inclusive um ótimo, integralmente feito só por vozes, mostraram-se muito aquém deste aqui. Se eu tinha um turbilhão de emoções e a sensação de estar ouvindo DSOTM pela primeira vez, havia uma pergunta: porque algo tão incrível não foi lançado oficialmente?

Posso imaginar muita coisa, mas a verdade é mais prosaica. A gravadora original sucumbiu em um processo de reestruturação e abandonou o projeto. O empresário de Mary e todos os envolvidos estão se esforçando para achar outro selo pra lançar esse disco fantástico. Eu espero sinceramente que consigam.

Você pode achar mais informações aqui:
http://www.markdoyle.com/dsotm.html
http://www.maryfahl.com

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

TEMPUS FUGIT – Chessboard

Um novo disco do Tempus Fugit é sempre recebido com expectativas. Tudo começa com a bela arte gráfica de Bernard, atual e enquadrada no contexto do álbum, mas depois ou enquanto, nos deliciamos com o visual, colocamos o CD e logo uma explosão acontece. Uma cortina de sintetizadores, à la Vangelis/Moraz, abre o disco. Uma frase do baixo anuncia a parte II de “Pontos de Fuga” e a participação efetiva do quarteto. A gravação está excelente. Ponto pra Anderson Costa e Luiz Tornaghi, respectivamente Engenheiro de Som e responsável pela masterização. “Ponto de Fuga” é a música exata pra abrir o CD, mostrando uma boa pegada da banda e essa “pegada” continua em “Unfair World”, que traz um clima diferente, um pouco mais suave, mas a guitarra de Henrique Simões não deixa a música se perder. Aparentemente ele e Ary Moura (bateria) são os responsáveis por puxar a música pra cima, mas é impossível deixar de comentar que o baixo de André Ribeiro mantem-se honradamente ao fundo, sem perturbar ou distrair, funcionando como boa ancora do todo. Essa é uma das músicas cantadas do disco, mas não se deixe abalar, a qualidade instrumental é tão boa que você não vai exigir mais deles. Supertramp nunca teve um grande vocalista e era ótimo. Mas o excelente tecladista, não é um mal cantor. O vocal é correto e talvez aí esteja o detalhe. Eles esbanjam técnica e intimidade nos instrumentos, mas falta (ou fez falta) um vocal com mais personalidade, não aqueles vocais femininos operísticos que estão em moda. O som do Tempus Fugit pede algo bem próximo do que eles tem e pensando bem, é melhor deixar como está. Henrique dá belas choradas com sua guitarra aqui, onde aparece o discreto violão de André Ribeiro. Algumas passagens em uníssono de piano e guitarra, principalmente os compassos finais, são memoráveis. “Only to be with you” já começa com andamento acelerado, sem dar descanso aos músicos. Como sempre, bons solos de uma guitarra bem timbrada e de um Moog afinado (oops, André avisa na capa que o Moog estava “doente”, portanto alguém bem parecido tomou seu lugar). O clima muda para a entrada dos vocais e logo a guitarra puxa tudo pra cima novamente, não deixando o romance ficar nem adocicado nem enjoativo. Essa faixa tem 10m e não é a maior. Num contexto assim, seria fácil perder o rumo, mas não acontece. O solo de baixo, perto do fim, foi uma maneira bem interessante de mostrar isso.

Lá fui eu falar de vocais femininos lá em cima e “The Princess” começa praticamente com a bela voz de Mirna Bertling. Sou forçado a discordar de mim mesmo e dizer que a voz ficou muito boa. Quando junto com a de André, o resultado é melhor ainda. Por falar em resultados diferentes, não se percebe a alteração dos músicos que houve nestas duas faixas, salvo pelo solo de guitarra em “Tears from the Sky” que está mais sujo, no bom sentido. O responsável é José R. Crivanho (do Quaterna Réqueim)que assumiu a guitarra nesta faixa. O baixo foi para Pedro Perz e Henrique Simões ficou com o violão, fazendo um interessante solo na primeira parte.

“Chessboard” (a música) traz os membros originais aos seus postos e um tema quase italiano, de tarantela, com uma guitarra bem pesada. Não chega a ser, mas é quase como o cruzamento do PFM com o Sepultura. Podemos ouvir então mais um convidado, o cantor Fernando Sierpe. Nem preciso falar, porque é melhor ouvir, mas Fernando, Nirma e André juntos chegam bem perto da perfeição. Chama muita atenção a variedade de timbres da banda. André Mello é um conhecido mestre de bom gosto no que se refere aos timbres dos seus teclados, as é raro uma banda em que todos variam e sabem fazer bom uso das sonoridades dos seus instrumentos. Isso fica bem claro quando o disco vai se aproximando do final e o clima entre todos os instrumentos é de total harmonia. Os quatro comungam os ideais da deusa Música.

Tempus Fugit é pra quem gosta de tudo. Tem de tudo do bom e do melhor. Tecladistas vão se esbaldar, guitarristas vão se fartar, baixistas se deliciar e bateristas aproveitar as levadas de André M., André R., Henrique, Ari & cia. Eu por aqui só posso ficar de pé e aplaudir.

Rick Wakeman – Out There...

Rick Wakeman é uma referência para qualquer tecladista. Chamado por alguns de “mago dos teclados”, é na verdade um tecladista com formação clássica que no início dos anos 70 aventurou-se pelo rock com grande sucesso. Sua participação no grupo YES foi decisiva para o som sinfônico que eles buscavam. Em uma entrevista revelou que sua função na banda era “apenas embelezar as músicas” dos outros. Declaração modesta e verdadeira. Como tecladista de apoio é um dos melhores, mas a maioria dos seus discos solo acaba decepcionando. Sua estréia com o instrumental “Six Wives...” chamou a atenção para o até então jovem e desconhecido, tecladista do YES. Seu projeto seguinte “Journey to the Center of the Earth” fez mais sucesso, unindo uma orquestra sinfônica e um coral a um grupo de rock, mas as melodias e as letras deixavam a desejar. “King Arthur” seguia a mesma fórmula, mas as melodias e letras estavam mais entrosadas e apesar de não ter feito o mesmo sucesso, musicalmente é superior ao segundo. Quando ele lançou “No Earthly Connection” houve um grande alarido dos fãs que sentiram falta da orquestra e praticamente da megalomania dos dois projetos anteriores, mas a música se sustentou. Vou parar aqui e dar um salto pra 2007 com o disco em questão: “Out There (In Space)”.
Depois de muitos álbuns irregulares, alguns gravados apenas por questões contratuais e de uma “fase new-age” que ele mesmo não reconhece (“Colocaram um piano no palco, os gravadores embaixo e me disseram pra tocar”) ele ressurge com um álbum atual e moderno, mas com todas as características que se espera de um disco de um tecladista. Com as características de um disco do Rick Wakeman. Como o “No Earthly” o tema é a música e o espaço, um hobby que ele cultiva com ajuda de amigos na NASA. A principal diferença deste álbum para qualquer outro dele está na sonoridade da guitarra de ANT GLYNNE. Na bateria está o parceiro de longa data TONY FERNANDES, que tem uma pegada atual e mostra-se mais versátil do que nunca. Para os vocais foi chamado DAMIAN WILSON e no baixo LEE POMEROY. Esta é a nova formação do ENGLISH ROCK ENSEMBLE.
Parece que após os álbuns RETRO (Vol. 1 e 2), Rick descobriu o prazer de tocar e a não ter vergonha dos timbres característicos de seu MINI-MOOG. O disco foi lançado em duas versões. Uma, com a capa vermelha com seis faixas e outra, de capa azul, com nove faixas. A músicas é vigorosa e os momentos contemplativos são mínimos e bem colocados. Para um ouvinte desavisado, pode até parecer um álbum de uma banda como DREAM THEATER ou similar com um tecladista que soa como RW. Mas após algumas audições o álbum cresce de tal maneira que é fácil percebe-lo como um dos melhores da extensa discografia de RW, mesmo sem a orquestra sinfônica, mas repleto de solos de guitarra, MINI-MOOG e órgãos. Altamente recomendado a todos que gostam de boa música.

sexta-feira, 14 de março de 2008

HAPPY THE MAN – The Muse Awakens

A banda HTM foi criada nos anos 70 em pleno furacão dos movimentos ART-ROCK, FUSION e progressivo. Ela tornou-se uma lenda mesmo com apenas dois discos lançados oficialmente porque dentre outras coisas, o tempo mostrou que sua música era mais do que um furacão passageiro ou um modismo. O site do grupo descreve sua música como além deste mundo. Não iria tão longe. Diria que a banda é sincera o suficiente pra fazer aquilo que gosta de modo convincente. “The Muse Awakens” é o álbum de retorno após longos 25 anos de ausência. Várias bandas retornaram nos últimos tempos mais como uma pálida sombra do que eram nos tempos de glória, mas não é isso o que se ouve nesse disco.

ladeado pelo baixo Rick Kennell, que pode nno nas armadilhas inaudteclado dobrando o a quase jazzui parece estar em casa. As composições são todas muito interessantes e a execução dos cinco integrantes, primorosa. “Contemporanity Insanity” que é abre o disco é uma excelente amostra da capacidade deles. Composta pelo tecladista David Rosenthal, não é de se estranhar que destaque os teclados. Com uma divisão interessante e tipicamente fusion, tem ótimos solos não só do compositor ao Moog, mas do guitarrista Stanley Whitaker. A faixa título, a segunda do disco, acalma um pouco as coisas. Composta por Whitaker tem a ótima presença do sax de Frank Wyatt expondo a melodia entremeada com toques do sintetizador de Rosenthal, levemente parecido com o trabalho de Lyle Mays no Pat Metheny Group. A música caminha em um suave crescendo que funciona pra banda mostrar como trabalha sua dinâmica.

“Stepping Through Time”, de Wyatt muda um pouco a sonoridade do grupo graças à flauta do compositor, mas logo o Moog reaparece com sua (hoje) majestade. Rosenthal consegue lembrar todos os tecladistas clássicos do progressivo sem se parecer com nenhum deles. Aqui a guitarra de Whitaker faz um dos melhores solos do disco. As divisões e andamentos se alternam como sugere o título, mas como seu (então) contemporâneo Gênesis, sem chamar atenção pra isso. Mesmo sem ser um dos integrantes originais da banda, Rosenthal tem largo espaço pra trabalhar. Não lhe falta experiência, já que trabalhou com artistas como Billy Joel, Robert Palmer, Rainbow e Steve Vai dentre outros, aqui parece estar em casa. Prova disso é a bonita “Maui Sunset”, onde ele deixa seus companheiros exporem o tema, primeiro a flauta depois uma guitarra quase jazzística, enquanto ele faz um belo acompanhamento ao piano e uma lindíssima cama de cordas. “Lunch at Psycodelicatessen” de Whitaker abre com uma figura rítmica na guitarra pra lá de desconcertante e prossegue assim por todo o tempo com o sax e teclado dobrando o tema e avançando cada vez mais até aproximar-se de um experimentalismo sem cair nas armadilhas inaudíveis do mesmo. Fecha com algumas surpresas, mas é melhor ouvindo do que lendo.

“Slipstream” é outro tema de Wyatt e abre com um belo piano ladeado pelo baixo Rick Kennell, que pode não se destacar como solista mas cuja presença garante uma cozinha de excelente qualidade junto com o outro novato além de Rosenthal, o baterista Joe Bergamini. "Barking Spiders" retorna ao clima mais fusion e mostra exatamente o entrosamento da cozinha com brakes e mudanças de andamento surpreendentes. "Adrift" é quase uma bossa-nova e retorna a banda a mais uma balada com Wyatt agora no sax tenor. "Shadowlites" é a única música cantada do disco e tem um toque progressivo típico das baladas dos anos 70. Whitaker não faz feio nos vocais, até porque ele sabe não ter a voz de um Greg Lake ou Jon Wetton. "Kindred Spirits" abre com o piano elétrico do autor, que vai aos poucos recebendo o acréscimo dos outros membros, mas é uma das músicas mais lineares do disco. Pra fechar, "Il Quinto Mare" retoma o entusiasmo da abertura e de "Barking Spiders", com toda a atmosfera progressiva que os fãs mais gostam.O ritmo bem marcado da bateria forte, a guitarra distorcida e a grandiloqüência (sem pejorativos, por favor) dos teclados, com Rosenthal fazendo mais um de seus ótimos solos com um timbre totalmente original. O disco é uma grata surpresa ao mostrar que "reunions" podem ser surpreendentes pelo talento e não pelo aspecto "circense" ou “geriátrico”. Álbum altamente recomendado não só a tecladistas, que podem apreciar o trabalho de Rosenthal sem mais ninguém à sua frente, mas também aos que gostam de boa música.

CHICK COREA e BELA FLECK – The Enchantment

Chick Corea é um talentoso e prolixo músico. Sabe como poucos estar em vários estilos e formatos, praticamente sabe estar em vários lugares ao mesmo tempo. Não é surpresa que ele apareça compartilhando um disco com o banjoísta Bela Fleck, afinal Bela é que flerta com o Jazz desde seus primeiros discos com os Flecktones. Corea já tinha participado de um disco solo de Fleck, portanto parece mesmo algo natural. Talvez surpreendente mesmo seja o duo de piano e banjo.

Fleck é um excelente músico e sua discografia está aí pra provar, mas daí a se aventurar justamente com um ícone do jazz e do fusion como Corea é outra história. Ou não? Bem, o repertório divide-se entre composições dos dois músicos e uma surpresa. “Señorita” que abre o disco, mostra a integração e até semelhanças entre os dois músicos. O tema de Corea é mais uma de suas rendições aos ritmos latinos. As frases em uníssonos dos dois funcionam muito bem. “Spectacle” de Fleck, coloca o autor como coadjuvante, com Corea expondo o tema antes do improviso de Fleck, com algumas citações brasileiras já que o banjo em alguns momentos parece muito com o nosso cavaquinho, mas acho que apesar de haver um título brasileiro no repertório pode ter sido mera coincidência.

Em “Joban Dna Nopia” de Corea, ele começa no registro médio e grave do piano. A surpresa é de como Fleck vai conseguir encaixar seu limitado instrumento. Fica certa lacuna. Paco de Lucia se sairia melhor com seu violão, mas Fleck consegue, com seu virtuosismo, sair das ciladas que o banjo arma pra ele. Nos momentos em Corea sola, o banjo parece-se soar mais como um cravo. Curioso do instrumento é a pouca dinâmica, tal como o citado cravo. A saída é a velocidade da execução e a quantidade de notas que o músico deve executar. “Mountain” é um bluegrass típico de Fleck. Os papéis se invertem e a pergunta passa a ser como Corea irá incluir seu piano, mas sendo quem é, bastam as primeiras notas pra se perceber que não há caminho por onde ele não possa aventurar-se. Isso fica mais claro quando se houve a versão de “Childrem’s Song #6”, música que Corea já executou com sua banda Return To Forever, o vibrafonista Gary Burton e em piano solo. Inspirada por Béla Bártok, favorece um bonito contraponto entre os dois instrumentos e propicia que Fleck improvise melhor do que nunca. Esse é um daqueles inesgotáveis clássicos que todo compositor persegue.

Os temas “A Strange Romance”, “Menagerie” e “Waltse for Abby” mostram a versatilidade do compositor Bela Fleck. A primeira com inspiração clássica, a segunda com um toque latino e novamente certo sotaque brasileiro e a terceira definitivamente comprovando que ele pode muito mais do que o instrumento que escolheu. Um tema que poderia ter saído da mente de qualquer grande baladista jazzístico, ou mesmo do próprio Corea. Depois disso aparece “Brasil”, a surpresa que mencionei no início e que é a versão deles para a nossa “Aquarela do Brasil”. Não há indicação no encarte de quem teve a idéia de incluí-la no repertório, mas, com esses dois, tudo é possível. Infelizmente, aqui Fleck tropeça. Sua participação fica muito aquém do esperado. Sua primeira exposição da melodia é feita de forma simples e só quando a repete, deixa entrever o que poderia ter feito, mas não fez. A culpa não é dele, mas nossa, por termos excelentes músicos que já a interpretaram de maneira genial, como o mestre Jacob do Bandolim. Corea ao contrário deixa passar o que poderia ser esse tema em piano solo. Fica devendo. Na faixa título, Fleck dobra a melodia com Corea e o banjo soa um pouco como um bandolim, talvez resquícios da faixa anterior. Fleck faz um bom solo mas também fica devendo. Em “Sunset Road” Fleck apaga parte dessa dívida, por ter composto o tema, que é um bom veículo pra Corea. Mas qual não é? O improviso de Fleck quase empata o jogo. Suas escalas fogem do lugar comum, ainda mais em se tratando de um banjo.

Este não é um álbum pra qualquer um. Os fãs do Corea jazzístico ou fusion podem ficar frustrados, mas os que querem o desbravador que fez “The Leprechaun” e “Mad Hatter
” saberão apreciar. Aos que querem conhecer do que Fleck é capaz, talvez a melhor indicação seja um dos seus discos com os Flecktones. Seja como for são dois instrumentistas de respeito em um encontro que se não tem o encantamento proposto pelo título, nos dá a certeza de que boa música pode vir dos mais inusitados encontros.