quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Mary Fahl – From the dark side of the moon


A capa aí de cima é conhecida de todo mundo. Não tenho medo nessa afirmação porque é um dos discos mais manjados já lançado. A “novidade” (entre aspas mesmo porque já rola por algum tempo aqui na rede) é uma cantora ter a ousadia de fazer um cover deste clássico. Acabando com o suspense, vou hoje comentar sobre um disco não lançado.

Cover é uma palavra que me causa alguns arrepios. Não gosto quando fazem recriações perfeitas, cópias exatas. Gosto das inexatas e mais, não vejo sentido em um artista não interpretar à sua maneira uma obra. Claro que o público em geral gosta e se o público gosta, sempre há um artista disposto a dar o que o público quer. Felizmente não foi o caso da Mary.


Em uma pesquisa que você mesmo pode fazer você vai encontrar o seguinte: “Depois de dois discos solo (um EP e um CD completo) abaixo de sua capacidade, a vocalista Mary Fahl, na minha opinião, a alma do OP, estava mais perdida que pum em bombacha. A única coisa que tinha como certa é que queria um repertório mais forte, que trouxesse paixão e grandiosidade. Seu empresário, Steven Saporta, entrou em contato com o produtor David Warner com a idéia de fazer um disco de covers, mas Warner teve uma idéia mais ousada: reinterpretar um único disco clássico, do começo ao fim. O projeto, desafiador por si só, ganhou um peso ainda maior quando Warner e Fahl escolheram o disco a ser recriado, nada menos que The Dark Side Of The Moon, a obra máxima do Pink Floyd, que passou nada menos que 14 anos consecutivos na lista de 200 discos mais vendidos da Billboard e é o quinto disco mais vendido de todos os tempos. A princípio, Mary assustou-se com a ambição do produtor: “Ele (o disco) é como o Cálice Sagrado, uma obra de arte danada de boa, muito mais que o produto de uma época” - declarou.”

Dito isso, você está situado na história do disco, então vamos nos aprofundar mais um pouco. O trabalho é totalmente inesperado, principalmente por ser fruto de 3 pessoas: a cantora Mary Fahl, o produtor David Warner e o guitarrista e tecladista Mark Doyle. Contam por aí que os três compartilhavam certa desilusão com os caminhos da música pop e profunda admiração pelo disco do Floyd. Eles entraram no estúdio de Doyle para gravar "Us And Them" e o resultado inicial foi tão bom que resolveram iniciar o projeto.

O que tem de interessante nessa recriação é que fica longe dos covers “Xerox” habituais. Acho que é difícil imaginar como o disco de uma cantora, acompanhada por um só músico pode mostrar o talento dela, não desrespeitar as músicas que todos conhecem e ficar bom, principalmente um disco que é metade instrumental. Doyle teve uma saída genial. Ele transformou a voz de Mary em mais um instrumento. Lembram do solo de voz (que sempre menciono como o orgasmo mais longo já gravado em disco) em "The Great Gig In The Sky" com a impressionante Clare Torry? Pois é, não dava pra copiar aquilo nota por nota. Ao invés disso optaram por algo que se assemelha a um lamento xamânico. Realmente é difícil de imaginar, mas aí reside toda a sabedoria e beleza desse disco. Como Werner explica: “Nenhum de nós estava interessado em simplesmente fazer boas versões de grandes músicas. Existem bandas tributo do Pink Floyd pra isso, mas se nós conseguíssemos reinventar a intenção por nós mesmos, então teríamos a chance de redescobrir alguma coisa que pudesse ter nova vida por si só”.

Speak to me” começa com a percussão fazendo as batidas do coração e a voz de Mary em várias camadas reproduzindo o original e preparando a entrada de “Breathe”. Entra então ótima guitarras de Doyle, e a característica frase original de Gilmour preparando um clima dark a entrada do vozeirão característico de Mary, que canta inicialmente sem acompanhamento. A música ganhou muito, ao ser despida da instrumentação original, com a bela melodia original ficando bem destacada. “On The Run” abre com um vocalize de Mary brincando no estéreo e uma figura repetida de guitarra, seguida de efeitos, como uma guitarra invertida e um baixão sintetizado bem diferente, além de piano e bateria. Cá entre nós, mais interessante do que a original. Aí aparecem os diversos “despertadores” que anunciam “Time”. Um clima etéreo aparece em oposição ao que havia sido ouvido até então. O baixo de Waters é de certa forma recriado. Quando entra Mary, sua voz tem é muito mais um lamento do que a voz original e angelical de Gilmour. Sem desrespeitar o original, a voz dá espaço a um lindo solo de guitarras (são pelo menos três), pra depois retornar à melodia cantada, com backings do próprio Doyle. Em seguida vem a já comentada “The Great Gig In The Sky”, cujo grande mérito é afastar-se da original no que ela tinha de mais marcante, o solo de voz. Grande expectativa pra essa faixa e não é nem um pouco decepcionante, pelo contrário. Estamos certos então de estarmos ouvindo uma recriação de um clássico. Exatamente por isso as percussões orientais não surpreendem quando iniciam “Money”. Mary confere um tom jocoso à sua voz e fica incrivelmente interessante com o que Doyle faz por trás: uma incrível cortina de guitarras e uma interessante harm&onica solo. “Us and Them” que como você já sabe foi a primeira gravada e por muitos anos a minha favorita, é lenta. Um violão dá dicas da melodia. Aqui novamente Mary canta praticamente à capela e outra vez a melodia ganha com isso. Essa música aqui perdeu aquele clima de baladinha que escondia o grande tema que ela realmente é. O solo de sax original foi substituído por um lindo vocalize de Mary, que canta um pouco além do seu registro mais confortável. “Any Colour You Like” se beneficia da capacidade de Doyle em criar climas a partir de poucas notas, que é o que ele faz ao piano elétrico aqui. Muitas vozes de Mary se sucedem em camadas até um refrão onde as vozes foram visivelmente trabalhadas em estúdio. Tudo isso quase que como uma introdução para a incrivelmente simples “Brain Damage”. Sempre toquei essa música mais de uma vez, mesmo nos tempos do LP, mas aqui dá pra ouvi-la muitas vezes. Está excepcional. Não teve grandes mudanças, mas a voz de Mary transmite uma dor que com certeza estava nos planos de Roger Waters, mas inexistente no álbum original por conta das limitações vocais do que compositor. “Eclipse” já abre chorando. Doyle se encarrega de “chorar” na guitarra. Mary começa a recitar a letra, com sua voz duplicada em camadas. Instrumentação aparentemente simples e clássica: guitarra, baixo, bateria e cordas. Nas cordas é que reside o sutil truque, ao traçar uma segunda melodia.

Quando acabei de ouvir esse disco, não sabia o que dizer. Havia um misto de muitas emoções. Se “Dark Side Of The Moon” é um cálice sagrado, como a própria Mary se referiu, o que ela e seus dois parceiros conseguiram fazer aqui traça uma linha divisória definitiva. Todos os outros tributos que já ouvi, inclusive um ótimo, integralmente feito só por vozes, mostraram-se muito aquém deste aqui. Se eu tinha um turbilhão de emoções e a sensação de estar ouvindo DSOTM pela primeira vez, havia uma pergunta: porque algo tão incrível não foi lançado oficialmente?

Posso imaginar muita coisa, mas a verdade é mais prosaica. A gravadora original sucumbiu em um processo de reestruturação e abandonou o projeto. O empresário de Mary e todos os envolvidos estão se esforçando para achar outro selo pra lançar esse disco fantástico. Eu espero sinceramente que consigam.

Você pode achar mais informações aqui:
http://www.markdoyle.com/dsotm.html
http://www.maryfahl.com

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